recipientes novos
algo que eu percebi que sinto falta de fazer com a newsletter é escrever de um jeito mais solto. gosto dessa coisa de tentar fazer um texto mais elaborado, algo um pouquinho mais artístico, pra preencher o buraco que a falta de tempo, energia e criatividade pra engatar em escrever ficção novamente deixam. mas essa semana sem o twitter também me fez perceber que eu gosto muito de só falar de coisas, também. o que já devia ser meio óbvio se você me seguia lá. eu não calo a boca nunca
dito isso, também percebi que falar só no formato de rede social não faz bem. tudo é muito curto, muito desfocado, muito momentâneo, e eu sinto saudade de poder prestar atenção mais dedicada a alguma coisa sem grandes pretensões de chegar a alguma conclusão, sem ligar pra audiência. então resolvi dar uma chance pra ideia de tentar escrever um pouquinho mais com uma mini-edição suplemental. um pouquinho mais do que eu não consegui encaixar na edição principal, um pouquinho mais da minha vida, um pouquinho mais de carinho pra essa planta tão delicada que é a humanidade real entre a torrente do digital.
espero que goste. se não gostar, vá se fuder é a vida.
não é possível ser saudável torar 3 latão de Monster toda manhã
Death Stranding é um jogo que faz, ao mesmo tempo, todo e nenhum sentido.
posso dizer com segurança que Saquei. entendi a ideia. Death Stranding é sobre o peso do trabalho, e puta que pariu, como o trabalho é pesado. tudo que já foi alterado em qualquer lugar do planeta por um ser humano exigiu muito esforço, exigiu que alguém fosse o burro de carga, exigiu pernas, braços, descansos, frustrações, desafios. Workers & Resources: Soviet Republic (muito bom se você gostar de jogos com muita profundidade e pouca explicação), que eu passei algumas semanas jogando, também trouxe o mesmo ponto central de Death Stranding: todo mundo adora infraestrutura, mas poucos falam de como asfaltar estrada é um SACO.
é um jogo Profundo, às vezes chegando ao ponto de parecer meio forçado nesse aspecto (Kojima, né), mas não dá pra dizer que não me afetou. chegar em Port Knot City foi impactante. atravessar a nevasca saindo de Mountain Knot City pela primeira vez foi impactante. coisas bobas, como o jogo simplesmente me agradecer por fazer o mínimo esperado — entregar um pacote sem esfodelar ele inteiro, trazer uma pizza sem ficar dando grau na moto — me fizeram perceber o quanto o mínimo esperado pode ser muito mais do que parece, dependendo do ponto de vista. respeito muito mais o carteiro agora que descobri que ele precisa lutar contra tantos noias, terroristas e almas penadas diariamente pra entregar plástico pras pessoas
os temas são bem amarrados até o momento, por mais que os conceitos sejam um pouco abstratos e até meio… contraditórios (achei a maior Kojimice da história dar acesso a múltiplas armas letais numa história sobre como a morte é um desastre social a ser evitado a todo custo, mas ok). quis encaixar de alguma maneira alguns paralelos entre o jogo e a enchente, mas não combinou com o tom. achei poética a ideia de a humanidade ser responsável pelas próprias tragédias… e se ver essencialmente obrigada a continuar tocando os exatos mesmos fatores que as criaram. são os bebês de mães mortas durante o parto ali, é governo conciliatório pró-empresariado aqui. será que temos mesmo a opção de fazer algo diferente?
enfim. está divertido. eu desativei o modo online assim que possível pois não estava aguentando o quanto ele deixava o jogo fácil, acho que isso diz algo sobre mim que eu não gosto muito, mas vou escolher ignorar por enquanto, e tenho certeza que não é nem um pouco relevante aos temas centrais da narrativa
a FICSIT depende do seu vício em otimização
como várias pessoas, eu passei o apocalipse climático trabalhando, da mesma maneira que tanta gente está passando outro apocalipse climático trabalhando. é parte do vício, né? a inércia move as pás do moinho d’água do capitalismo ao ponto que deixamos de ter a energia, o tempo ou a criatividade pra fazer outra coisa. normal.
por milagre, dessa vez eu posso falar no que eu trabalhei, pois o meu nome saiu nos créditos.
Satisfactory saiu do Early Access da Steam, depois de 8 anos de desenvolvimento, com tradução pra brasileiro revisada, atualizada e finalizada majoritariamente por quem vos fala, e eu tô sentindo orgulho do trabalho feito em cima de uma tradução da comunidade já bem extensa. foram várias horas mal dormidas, vários estresses com terminologia, uma briga (perdida) com o meu desktop pra ele parar de criar conflitos incompreensíveis entre, provavelmente, meu SSD novinho e minha placa-mãe de uma década atrás quando eu abria o jogo… e muita ironia. aquela ironia grossa, pesada, densa que nem a fumaça de um Gerador a Combustível ou a atmosfera geral do Brasil. temático!
uma boa parte de Satisfactory foi traduzida em situação ativa de enchente. tava com prazos e cotas diárias em mente no mesmo dia em que empacotei as coisas mais importantes pra levar comigo, tava encarando diálogos propositalmente crípticos sem saber como resolver enquanto tentava arranjar algum jeito de ficar confortável na casa do meu cunhado, tava trabalhando até de madrugada na casa dos meus sogros com uma conexão de satélite quase tão destrambelhada pela chuva quanto eu. não vou dizer que foi a coisa mais difícil do mundo, mas não foi fácil.
eu poetizaria mais sobre isso, mas a verdade é que eu acho melhor evitar. seguindo nos passos de Diane Nguyen, o que aconteceu de ruim comigo não precisa ser útil. pode ser só dano, pode ser só tragédia. é uma merda que tenha acontecido, e a melhor coisa que eu posso fazer é encarar a realidade nua e crua sobre o que nos trouxe aqui e o que me fez ter passado por isso: metafórica, literal e filosoficamente, um monte de água.
não era bem nesse sentido o cigarro nas escolas, mas beleza
resolvemos assistir The Leftovers aqui em casa, e vou ser totalmente sincero, não faço a menor ideia se estou entendendo ou não. está interessante e tem momentos legais, mas tô faz uma temporada e meia já tentando entender se a série é ou não religiosa, pra começar. mesmo considerando toda a questão de, tipo, arrebatamento
ao mesmo tempo, a série tem paralelos óbvios com parte do que eu quis falar na edição principal com a coisa de não saber se vai acontecer de novo, vícios, inevitabilidade, e eu também não vejo muito motivo pra falar muito dela. em contraste com a realidade, só sei que fica mais difícil ver o Guilty Remnant como errado. Sebastião Melo tem risco real de se reeleger em Porto Alegre, então se duvidar o negócio é só fumar cigarro e encher o saco dos outros mesmo. os 2% devem estar melhores que todo o resto que ficou.
dito isso, tenho achado esse povo todo muito dramático. eu acharia normal a galera sumir
céus, e agora
bom, o twitter acabou mesmo, pelo jeito. achei que combinou muito bem que meus últimos tweets foram análises totalmente confiantes e completamente erradas sobre o bloqueio durar no máximo uma semana. é meu jeitinho
mesmo que volte logo (pelo andar da carruagem, agora estou duvidando), acabou. seguindo a parábola do bar nazista, não tem mais volta: impossível voltar com a consciência limpa pra rede que acha normalíssimo o usuário RaçabrancaHH88 não se prestar mais nem a usar aqueles parênteses triplos ridículos pra falar no código mais óbvio do planeta sobre como os judeus controlam até o buracinho dele.
talvez isso seja uma coisa boa. tem muito pessimista por aí já dizendo que é questão de tempo até a rede deixar de ser saudável, e vai saber, talvez seja mesmo. grandes aglomerados de pessoas tendem a ser difíceis de manejar, seja na internet ou na vida real. eu espero que, tendo um paralelo de formato tão direto, o Bluesky possa tomar o Twitter como exemplo ruim do que acontece quando você deixa tudo sair do controle e nunca reforça e atualiza suas medidas pra coibir o inevitável tsunami de bosta da Web 3.0 dominada pelo lucro.
sobre mim, fico pensando se vou repetir as mesmas coisas: se o hábito de abrir o app por reflexo vai continuar, se a timeline (skyline? valei-me) ainda vai ser minha principal interação (e incomodação) social cotidiana, se eu vou continuar usando a internet pra me irritar, me entristecer e me distrair ou se isso tudo pode ser uma nova era mesmo. novos hábitos, novas tentativas de fazer amizades, interações comunitárias mais saudáveis (só de poder impedir um post de ter QRT eu já tô feito).
ainda não senti saudade de nada, e admito estar julgando bastante quem diz ter saudade do “umbral”. não era “tóxico porém divertido”, há de se admitir: era só tóxico. do meu ponto de vista enquanto pessoa que passou anos tendo a menor unidade possível de fama online, era um inferno não poder falar nada sem imaginar que ia brotar do chão algum desconhecido pra me tratar como se eu não existisse. é o tipo de coisa que não dá pra relevar tão fácil, não importa quão engraçado seja rir do protagonista do dia falando alguma merda. o Twitter, mais do que tudo no fim, e mais ainda nesse pós-fim (acho que essa fase já começou faz uns anos, só a gente não percebeu), virou uma rede desumana e desumanizadora.
fora algumas coisas do meu longo arquivo de 15 anos de bobice sem filtro, não acho que vou sentir nenhuma falta.
e olha, se o Bluesky vai vingar e ser legal eu não faço ideia, mas pelo amor, que bálsamo que é não precisar ter nem pesadelos em usar o Instagram como rede principal. puta que pariu. se o Twitter virou a pura água de chuca enchente, o Instagram é um mangue pós-derramamento de petróleo.
e chega disso por enquanto. e aí, é um formato interessante? pensou em algo sobre o que eu disse aqui? acha que eu devia dar uma olhada em alguma coisa? comenta! o maior desastre é a gente não conseguir se conectar. ou seja lá o que aquele japonês disse no jogo lá
caso não tenha lido a edição principal da newsletter, vai ler porra o Empório de Piadas Claudete Comédia mudou de endereço.